terça-feira, 2 de outubro de 2007

Zé da Luz


Zé da Luz, poeta, das terras nordestinas, nasceu em 29 de março de 1904 em Itabaiana, região agreste da Paraíba e faleceu no Rio de Janeiro em 12 de fevereiro de 1965.

Veio ao mundo como Severino de Andrade Silva e recebeu a alcunha de Zé da Luz. Nome de guerra e poesia, nome dado pela terra aos que nascem Josés e, também, aos Severinos, que se não for Biu é seu Zé.

Sua poesia é dita nas feiras, nas porteiras, na beirada das estradas, nas ruas e manguezais. Perdeu-se do seu autor pois em livro não se encontra. Se encontra na boca do povo, de quem tomou emprestado a voz, para dividi-la em forma de rima e verso.
Seus poemas têm a cor do nordeste, o cheiro do nordeste, o sabor do nordeste. Às vezes trágico, às vezes humorado, às vezes safado. Quase sempre telúrico como a luz do sol do agreste.


Zé da LUZ
Do livro Brasil Caboclo, Editora Acauã, 1988.

CANTADÔ E VIOLÊRO

Eu nunca aprendi a lê.
Eu nunca tive im iscóla.
Mas, Deus mi deu o sabê,
De sê impruvisadô
E tocadô de viola.

Eu não invejo a sabênça
De nenhum hôme letrado.
Deus mi deu intiligênça,
Qui tem feito diferença
A munto doutô formado.

De que serve os anelão
Qui esses douto tem nos dêdo,
Se de uma impruvização
Eles não sabe o segredo?

As iscóla, a Academia,
Faz doutô de todo jeito:
- Faz doutô de inginharia;
Doutô Juiz de Dereito;
Doutô pra cura duênça;
Faz inté doutô dentista.
Mas, nunca há de fazê,
Um doutô saí de lá,
Formado na puisía,
Num puéta repentista!

Quando eu pego na viola
Qui ôico o gemê das prima,
Os verso sái da cachóla
Im cachuêras de rima!

Praquê maió aligria,
Pra um cabra impruvisadô,
De que numa canturía
Ele lová u´a môça,
Pra dispôis dela lováda,
Fica toda derrengáda
Agradicendo o lovô?

E a viola contente,
Fica tocando um baião,
Inquanto o cabôco sente,
Outra vióla tocando
Cá dentro do coração?...

Se os versos q´eu impruviso
Não tem graça nem belêza,
Piçúi um grande valo:
- Esses verso, eu aprindí
No livro da Natureza
Tendo Deus pru prufessô!

O cantadô de repente
Tem tudo qui ele quizé:
- Tem os rio, as cachuêra,
Tem as noite insularáda,
O rompê das arvorada
E a graça das muié!

E tem o céu brasilêro
Qui cobre as terra do Norte!
E tem o cabôco forte,
Tem o valente vaquêro,
As “Festa de Apartação”,
Tem o calô das fuguêra
Das noites de São João!

Tem os cabôco valente
Flô da alma do sertão!
Esses cabôco ribusto,
Qui vinga a honra utrajada,
Sem te medo, sem te susto,
Cum um “Bacamarte” na mão!

Praquê livro ou iscóla,
Praquê ané de doutô?
Se eu piçúo uma vióla,
Tenho livro e prufessô;
Tenho Deus e a Natureza
Aonde ta a grandeza
De tudo que Ele criou?

Eu sou feliz, meu patrão.

Eu vivo nesse mundão
Bem sastifeito e contente.

E peço à Deus das artura
(Ao meu grande professô)
Qui não mi farte o repente,
Esse dom qui Ele mi deu
Cum Seu pudê verdadêro
De eu sê impruvisadô,
Cantadô e violêro!


Ai se sêsse (Zé da Luz)

Se um dia nós se gostasse
Se um dia nós se queresse
Se nós dois se empareasse
Se jutim nós dois vivesse
Se jutim nós dois morasse
Se jutim nós dois drumisse
Se jutim nós dois morresse
Se pro céu nós assubisse
Mas porém se acontecesse de São Pedro não abrisse
A porta do céu e fosse te dizer quarquer tolice
E se eu me arriminasse
E tu com eu insistisse
Pra que eu me arresolvesse
E a minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Tarvez que nós dois ficasse
Tarvez que nós dois caisse
E o céu furado arriasse
E as virge todas fugisse.

Brasi Caboco
Autor: Zé da Luz


O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!

É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro...
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!

Brasi caboco num come
assentado nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão...
Brasi caboco só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home de posição.

Brasi caboco num sabe
falá ingrês nem francês,
munto meno o português
qui os outros fala imprestado...
Brasi caboco num inscreve;
munto má assina o nome
pra votar pru mode os home
Sê gunverno e diputado
Mas porém. Brasi caboco,
é um Brasi brasileiro,
sem mistura de instrangero
Um Brasi nacioná!

É o Brasi sertanejo
dos coco, das imbolada,
dos samba, dos vialejo,
zabumba e caracaxá!
É o Brasi das vaquejada,
do aboio dos vaquero,
do arranco das boiada
nos fechado ou tabulero!
É o Brasi das caboca
qui tem os óio feiticero,
qui tem a boca incarnada,
como fruta de cardoro
quando ela nasce alejada!

É o Brasi das promessa
nas noite de São João!
dos carro de boi cantano
pela boca dos cocão.

É o Brasi das caboca
qui cum sabença gunverna,
vinte e cinco pá-de-birro
cum a munfada entre as perna!
Brasi das briga de galo!
do jogo de “sôco-tôco”!
É o Brasi dos caboco
amansadô de cavalo!

É o Brasi dos cantadô,
desses caboco afamado,
qui nos verso improvisado,
sirrindo, cantáro o amô;
cantando choraro as mágua:
Brasi de Pelino Guedes,
de Inácio da Catingueira,
de Umbelino do Texera
e Romano de Mãe-d’água!

É o Brasi das caboca,
qui de noite se dibruça,
machucando o peito virge
no batente das jinela...
Vendo, os caboco pachola
qui geme, chora e soluça
nas cordas de uma viola,
ruendo paxão pru ela!

É esse o Brasi caboco.
Um Brasi bem brasilero,
sem mistura de instrangêro
Um Brasi nacioná!
Brasi, qui foi, eu tô certo
argum dia discuberto,
pru Pêdo Arves Cabrá.


A CACIMBA

Tá vendo aquela cacimba
lá na bêra do riacho,
im riba da ribanceira,
qui fica, assim, pru dibáxo
de um pé de tamarinêra.

Pois, um magóte de môça
quage toda manhanzinha,
foima, assim, aquela tuia,
na bêra da cacimbinha
prá tumar banho de cuia.

Eu não sei pru quê razão,
as águas dessa nacente,
as águas que ali se vê,
tem um gosto diferente
das cacimbas de bêbê...

As águas da cacimbinha
tem um gôsto mais mió.
Nem sargada, nem insôça...
Tem um gostim do suó
do suvaco déssas môça...

Quando eu vejo éssa cacimba,
qui inspio a minha cara
e a cara torno a inspiá,
naquelas águas quiláras,
Pego logo a desejá...

... Desejo, prá quê negá?
Desejo ser um caçote,
cum dois óio dêsse tamanho
Prá ver aquele magóte
de môça tumando banho!


AS FLÔ DE PUXINANÃ

(Paródia de As “Flô de Gerematáia”
de Napoleão menezes)

Três muié ou três irmã,
três cachôrra da mulesta,
eu vi num dia de festa,
no lugar Puxinanã.

A mais véia, a mais ribusta
era mermo uma tentação!
mimosa flô do sertão
que o povo chamava Ogusta.

A segunda, a Guléimina,
tinha uns ói qui ô! mardição!
Matava quarqué cristão
os oiá déssa minina.

Os ói dela paricia
duas istrêla tremendo,
se apagando e se acendendo
em noite de ventania.

A tercêra, era Maroca.
Cum um cóipo muito má feito.
Mas porém, tinha nos peito
dois cuscús de mandioca.

Dois cuscús, qui, prú capricho,
quando ela passou pru eu,
minhas venta se acendeu
cum o chêro vindo dos bicho.

Eu inté, me atrapaiava,
sem sabê das três irmã
qui eu vi im Puxinanã,
qual era a qui mi agradava.

Inscuiendo a minha cruz
prá sair desse imbaraço,
desejei, morrê nos braços,
da dona dos dois cuscús!

FIM

2 comentários:

Tereza disse...

Meu pai também é Zé da Luz e escreveu um livro, por isso sempre recebemos mensagens de jovens que buscam livros do poeta paraibano Zé da Luz. Se possível, gostaria de poder indicar onde encontrar esses livros. Será que conseguiriam através da Editora Acauã? Não encontrei o endereço.

Dalinha Catunda disse...

Ah se eu fosse um Zé da Luz,
Com esse cantar verdadeiro,
Mas sou apenas Maria Lamparina,
tentando um canto brejeiro.

Dalinha Catunda