quinta-feira, 20 de setembro de 2007

GULA de família


Airton Soares

Sabe aquele dia em que você amanhece com gula de família. Foi assim que me senti há onze anos quando convidei meu filho para almoçar comigo.

Recém separado, me sentia só e solitário e numa sexta-feira, almoçar com o filho não teria pedida melhor.

Cuido cedo dos preparativos. Corro à loja mais próxima. Compro toalha de mesa, talheres, guardanapos e uma infinidades de outros apetrechos pertinentes ao grande evento. Na volta, passo pelo mercado e compro Cará, o peixe dos meus `querê´. Componho a mesa. Toalha nova e vistosa; Talheres de fazer inveja a qualquer estrelado restô...

Nunca dei valor a isso. Pensava, enquanto fazia o almoço.

Peixada... Oba! Que cheirinho gostoso. Estava apreensivo, mas feliz. Pra quem não sabia fritar um ovo...

10h45min. Ele chega já. Não vejo a hora.

11h10min. Nada! Será que ele vem mesmo? Ligo? Não, ele vem. Não é possível...

13h14min. Julius, adolescentemente alvoroçado, adentra ao apartamento destampando a panela fervente e com espantosa naturalidade diz: “Vixe, pai, é peixe!?... Vou almoçar no seu Ivan.” `Seu Ivan´ - Restaurante familiar situado nas cercanias do meu apartamento.

Ele sai da mesma forma que entrara e eu, mentalmente disforme, fico com a minha peixada, na minha mesa bem posta, triste e só. Você pode fazer uma pequena idéia do meu martírio, obrigado que fui a almoçar só e solitário.

Enquanto esmurrava a mesa, amaldiçoando todos os filhos do universo, uma vozinha, lá dentro, me chama `prasConversa´: “Escute aqui, seu Airton, nada de ressentimentos, tá? Você há de lembrar da sua mãe: Aos domingos, quantas e quantas vezes, ela carinhosamente preparava seu almoço e vossa senhoria chegava lá pra cinco da tarde, das farras, “cheiDosPau”; E sua esposa... E blá...blá... Outra, seu Airton, você teve o mínimo cuidado em perguntar ao seu filho o que ele gostaria de almoçar? Não, não teve! Você preparou o SEU prato predileto na SUA mesa predileta. Se queixe não, jovem. Trate de curtir seu erro, sua dor, mas nada de ressentimentos.

Na ocasião, contei o ocorrido a um amigo e ele sem titubear aconselhou-me - Chama teu filho e passa na cara dele esse atrevimento.

Não chamei. E fiz muito bem. Chorei. Curti minha dor e aprendi uma grande lição - lição clichê -, mas imortal. O que se faz aqui, aqui se paga!

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