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Folha Online entrevista o escritor mineiro Autran Dourado
Folha - O senhor já disse que há um grupo de livros seus que pensa terem dado conta do recado. O que os dois que estão sendo relançados agora têm a acrescentar?
Autran Dourado - Sempre me perguntam, sobretudo quando vou a universidades, quais foram os autores que me influenciaram. Fiz "O Meu Mestre Imaginário" para não ter mais que responder a essa pergunta. Já estou quase com 80 anos, uma idade até vergonhosa de dizer, e em uma fase em que já selecionei meus autores. Leva-se a vida inteira selecionando os livros que se deve ler quando se está aposentado. Agora sei os livros que devo ler. E não tenho medo de clássicos. Os clássicos são necessários.
Folha - E o que seria o clássico?
Dourado - É aquele que, mesmo sem querer, inova. Alguém disse algum dia que ler Homero é chato. Mas a chatice não é uma qualidade literária para ser julgada.Folha - A erudição é necessária ao escritor?
Dourado - A erudição é acidental, embora seja uma coisa que se busque. Quando o autor está começando a escrever, não pode pensar em ninguém. Nem em outros autores nem em seu público, porque sequer consegue saber quem é seu público. O escritor é aquele solitário. Eu não sei qual é meu leitor e não me submeto à posição de procurá-lo. É por isso que vejo com certo escândalo o que está acontecendo no Brasil: pessoas jovens que se iniciam na literatura e querem logo vender livro. Têm vocação de best-seller. São fabricantes de livro, e o livro que você vê não resultou de nenhum esforço maior, não correu nenhum sangue por ele. Isso não é ser escritor. Vender livro é um acidente na vida de um escritor.
Folha - O senhor diz que o escritor é um solitário, e é impossível não pensar em seus personagens, que são também solitários, tomados de medo e angústia.
Dourado - Meus personagens se parecem muito comigo. Eu os conheço muito bem e sofro a angústia que eles sofrem. Não tenho nenhum prazer em escrever. Depois de pronta a obra, aí me dá uma certa satisfação, mas a mesma que dá quando se descarrega dos ombros um fardo pesado.
Folha - Se não dá prazer, então por que escrever?
Dourado - É também uma fatalidade. Você é destinado à literatura, e não a literatura a você. Escrever é uma imitação. A gente escreve feito um menino que vê o livro como um brinquedo e pensa "ah, eu quero um". Quando eu li pela primeira vez "Dom Casmurro", eu disse "puxa, eu quero o meu". Daí a necessidade que se tem de ler. Quando estou para escrever, gosto muito de ler um poema, Drummond, João Cabral. Não é o poema que eu vou fazer, mas acho que me prepara.
Folha - E que expectativa o senhor tem em relação à sua obra? Que inove sem que queira inovar?
Dourado - É exatamente isso. Não é propriamente um propósito, mas a idéia é transportar uma chama, que passa para outro e para outro. É um encadeamento de autores, de autores de uma mesma família literária. Mas eu vivi recentemente a experiência de reler minha própria obra, e me deu uma coisa quase como uma náusea. Me dá uma náusea pensar nessas perguntas todas. O que se deve procurar é escrever bem. E selecionar os poucos autores que se deve ler, que são os que aperfeiçoam o trato da linguagem. Porque literatura é linguagem carregada de sentido.
Folha - Os escritores são carapinas do nada?
Dourado - São carapinas do nada. Você citou aí um conto meu de que gosto muito: "Os Mínimos Carapinas do Nada". São os velhos que ficavam na janela de casa, esculpindo, tirando pequenas aparas de madeira, fazendo caracóis. Procurando o nada. Escreve-se para chegar ao nada. O enredo, por exemplo, é uma das coisas menos importantes no romance. É o artifício que o autor usa para prender o leitor, para engabelá-lo enquanto bate sua carteira.
Folha - E o que rouba?
Dourado - A emoção dele, sentir que ele está preso ao livro, que você o tem pela mão. E não que ele esteja com você na mão.
Folha - Escrever, então, é artifício, e não inspiração?
Dourado - Há na palavra inspiração uma certa traição. Eu prefiro "idéia súbita". Quando me vem uma idéia súbita, eu a cultivo até encontrar a forma do romance.
Folha - E sobre a possível morte do romance, que, depois das vanguardas, tanto se vaticina?
Dourado - Quando o Fernando Sabino foi passar uma temporada na Europa, ele voltou e me disse: "Você está perdendo seu tempo. O romance morreu". Eu disse: "Ô, Fernando, você está me dando uma notícia tristíssima. Porque eu acabei de deixar um romance na editora. Justo hoje você vem me comunicar a morte de um parente meu?". Não morreu. O europeu é que é muito preocupado com essas coisas.
Folha - E não vai morrer?
Dourado - Se vai morrer, eu não posso dizer, porque quem pode morrer antes sou eu.Folha - No momento, o senhor está escrevendo alguma coisa?
Dourado - Estou preparando um livro, mas nunca mostro antes de estar pronto. Mas estou escrevendo com muita dificuldade porque estou muito preocupado com aquilo que é permanente na literatura. Que é o valor literário, sobretudo os valores formais. É um peso que aumenta com o passar do tempo. O peso de já ter escrito.
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Autran Dourado - Sempre me perguntam, sobretudo quando vou a universidades, quais foram os autores que me influenciaram. Fiz "O Meu Mestre Imaginário" para não ter mais que responder a essa pergunta. Já estou quase com 80 anos, uma idade até vergonhosa de dizer, e em uma fase em que já selecionei meus autores. Leva-se a vida inteira selecionando os livros que se deve ler quando se está aposentado. Agora sei os livros que devo ler. E não tenho medo de clássicos. Os clássicos são necessários.
Folha - E o que seria o clássico?
Dourado - É aquele que, mesmo sem querer, inova. Alguém disse algum dia que ler Homero é chato. Mas a chatice não é uma qualidade literária para ser julgada.Folha - A erudição é necessária ao escritor?
Dourado - A erudição é acidental, embora seja uma coisa que se busque. Quando o autor está começando a escrever, não pode pensar em ninguém. Nem em outros autores nem em seu público, porque sequer consegue saber quem é seu público. O escritor é aquele solitário. Eu não sei qual é meu leitor e não me submeto à posição de procurá-lo. É por isso que vejo com certo escândalo o que está acontecendo no Brasil: pessoas jovens que se iniciam na literatura e querem logo vender livro. Têm vocação de best-seller. São fabricantes de livro, e o livro que você vê não resultou de nenhum esforço maior, não correu nenhum sangue por ele. Isso não é ser escritor. Vender livro é um acidente na vida de um escritor.
Folha - O senhor diz que o escritor é um solitário, e é impossível não pensar em seus personagens, que são também solitários, tomados de medo e angústia.
Dourado - Meus personagens se parecem muito comigo. Eu os conheço muito bem e sofro a angústia que eles sofrem. Não tenho nenhum prazer em escrever. Depois de pronta a obra, aí me dá uma certa satisfação, mas a mesma que dá quando se descarrega dos ombros um fardo pesado.
Folha - Se não dá prazer, então por que escrever?
Dourado - É também uma fatalidade. Você é destinado à literatura, e não a literatura a você. Escrever é uma imitação. A gente escreve feito um menino que vê o livro como um brinquedo e pensa "ah, eu quero um". Quando eu li pela primeira vez "Dom Casmurro", eu disse "puxa, eu quero o meu". Daí a necessidade que se tem de ler. Quando estou para escrever, gosto muito de ler um poema, Drummond, João Cabral. Não é o poema que eu vou fazer, mas acho que me prepara.
Folha - E que expectativa o senhor tem em relação à sua obra? Que inove sem que queira inovar?
Dourado - É exatamente isso. Não é propriamente um propósito, mas a idéia é transportar uma chama, que passa para outro e para outro. É um encadeamento de autores, de autores de uma mesma família literária. Mas eu vivi recentemente a experiência de reler minha própria obra, e me deu uma coisa quase como uma náusea. Me dá uma náusea pensar nessas perguntas todas. O que se deve procurar é escrever bem. E selecionar os poucos autores que se deve ler, que são os que aperfeiçoam o trato da linguagem. Porque literatura é linguagem carregada de sentido.
Folha - Os escritores são carapinas do nada?
Dourado - São carapinas do nada. Você citou aí um conto meu de que gosto muito: "Os Mínimos Carapinas do Nada". São os velhos que ficavam na janela de casa, esculpindo, tirando pequenas aparas de madeira, fazendo caracóis. Procurando o nada. Escreve-se para chegar ao nada. O enredo, por exemplo, é uma das coisas menos importantes no romance. É o artifício que o autor usa para prender o leitor, para engabelá-lo enquanto bate sua carteira.
Folha - E o que rouba?
Dourado - A emoção dele, sentir que ele está preso ao livro, que você o tem pela mão. E não que ele esteja com você na mão.
Folha - Escrever, então, é artifício, e não inspiração?
Dourado - Há na palavra inspiração uma certa traição. Eu prefiro "idéia súbita". Quando me vem uma idéia súbita, eu a cultivo até encontrar a forma do romance.
Folha - E sobre a possível morte do romance, que, depois das vanguardas, tanto se vaticina?
Dourado - Quando o Fernando Sabino foi passar uma temporada na Europa, ele voltou e me disse: "Você está perdendo seu tempo. O romance morreu". Eu disse: "Ô, Fernando, você está me dando uma notícia tristíssima. Porque eu acabei de deixar um romance na editora. Justo hoje você vem me comunicar a morte de um parente meu?". Não morreu. O europeu é que é muito preocupado com essas coisas.
Folha - E não vai morrer?
Dourado - Se vai morrer, eu não posso dizer, porque quem pode morrer antes sou eu.Folha - No momento, o senhor está escrevendo alguma coisa?
Dourado - Estou preparando um livro, mas nunca mostro antes de estar pronto. Mas estou escrevendo com muita dificuldade porque estou muito preocupado com aquilo que é permanente na literatura. Que é o valor literário, sobretudo os valores formais. É um peso que aumenta com o passar do tempo. O peso de já ter escrito.
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