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Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo
Na semana passada, escrevi nesta coluna sobre a luta dos fumantes que decidiram abandonar o cigarro por causa da lei antifumo paulista. Além de proteger os não-fumantes, a proibição do fumo em locais fechados tem produzido um outro efeito positivo: ela estimula os fumantes a buscar tratamento. A procura aumentou 50% no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), da Secretaria Estadual de Saúde, na capital paulista.
Para conhecer as dificuldades e as vitórias dos fumantes que a lei conseguiu encaminhar para o tratamento, decidi acompanhar as próximas semanas da funcionária pública Ana Rita Conde Lopes Guida, 56 anos. Ana fuma desde os 11 anos. Nunca antes havia tentado parar. Quando a lei entrou em vigor, ela decidiu se inscrever no Cratod.
Conversei com Ana na quinta-feira (17) para saber como havia passado a semana. A primeira coisa que me disse foi: “Vacilei”. Na quarta e última reunião realizada com seu grupo de fumantes no Cratod, Ana ainda não havia conseguido parar. Diz que está fumando quatro cigarros por dia. Usa adesivo de nicotina e antidepressivo.
Tenta enganar a vontade de fumar com o “kit fissura” distribuído pela nutricionista do Cratod. O kit é um saquinho transparente que acomoda vários ingredientes: uva passa, casca de laranja assada, cravo, damasco seco, canela em pau. A nutricionista recomenda que o fumante coloque uma dessas coisas na boca quando a vontade de fumar reaparece. Deve mascá-la bem devagarzinho na tentativa de se distrair e esquecer do cigarro.
Ana seguiu a dica. Ainda não foi suficiente. Na tentativa de enganar a vontade de fumar, adotou um estranho recurso. “Quebrei um lápis ao meio e finjo que estou fumando”, diz.
Para quem não fuma, esse comportamento pode parecer irracional, humilhante. Para quem enfrenta o vício, no entanto, qualquer recurso capaz de postegar a próxima tragada vale a pena.
Muitos leitores comentaram o texto da semana passada. Postaram depoimentos pessoais e dicas para quem pretende se livrar do cigarro. Agradeço a todos pela atenção e pelas valiosas contribuições. Alguns desses comentários revelam a profunda relação emocional que os fumantes criam com o vício:
Depoimentos como esses também chamaram a atenção da psicóloga Ivone Maria Charran, quando ela começou a atender tabagistas no Cratod. Ivone já tinha uma longa experiência com usuários de outras drogas, como cocaína e crack (trabalha com essas pessoas há 19 anos). Nunca, porém, tinha ouvido relatos sentimentais em relação à droga do jeito como ela ouviu dos fumantes.
“A forma como eles se referem ao cigarro sempre me intrigou”, diz Ivone. “Eles estabelecem uma cumplicidade tão grande que chegam a colocar atributos humanos no cigarro”, afirma.
Ivone produziu uma monografia com base numa pesquisa qualitativa realizada com cinco fumantes do Cratod. Algumas das frases que ela ouviu:
O que você acha dessa última frase? É um exagero? Uma afirmação completamente descabida? Uma comparação impossível? Para muitos dos dependentes de nicotina que tentam se livrar do vício, ela é verdadeira. Sem o cigarro, eles experimentam um luto profundo.
Não basta, portanto, tratar a dependência física provocada pela nicotina. É preciso, também, romper a dependência psicológica. “Quebrar essa relação de cumplicidade com o cigarro é o mais difícil”, diz Ivone.
Conheci no início desse ano uma mulher que passou a vida inteira livre do fumo. Depois dos 70 anos, estabeleceu uma triste parceria com o cigarro. Lembrei-me dela enquanto conversava com Ivone.
Quem procura um programa antitabagismo, acha que vai apenas parar de fumar. A mudança precisa ser mais radical. “A pessoa precisa rever a vida, se conhecer sem cigarro”, diz Ivone. “Muitas vezes, ela se estranha”.
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