quarta-feira, 18 de agosto de 2010

“Largar o cigarro é como perder o pai”As estranhas relações que os fumantes estabelecem com o vício

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CRISTIANE SEGATTO
cristianes@edglobo.com.br
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo

Na semana passada, escrevi nesta coluna sobre a luta dos fumantes que decidiram abandonar o cigarro por causa da lei antifumo paulista. Além de proteger os não-fumantes, a proibição do fumo em locais fechados tem produzido um outro efeito positivo: ela estimula os fumantes a buscar tratamento. A procura aumentou 50% no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), da Secretaria Estadual de Saúde, na capital paulista.

Para conhecer as dificuldades e as vitórias dos fumantes que a lei conseguiu encaminhar para o tratamento, decidi acompanhar as próximas semanas da funcionária pública Ana Rita Conde Lopes Guida, 56 anos. Ana fuma desde os 11 anos. Nunca antes havia tentado parar. Quando a lei entrou em vigor, ela decidiu se inscrever no Cratod.

Conversei com Ana na quinta-feira (17) para saber como havia passado a semana. A primeira coisa que me disse foi: “Vacilei”. Na quarta e última reunião realizada com seu grupo de fumantes no Cratod, Ana ainda não havia conseguido parar. Diz que está fumando quatro cigarros por dia. Usa adesivo de nicotina e antidepressivo.

Tenta enganar a vontade de fumar com o “kit fissura” distribuído pela nutricionista do Cratod. O kit é um saquinho transparente que acomoda vários ingredientes: uva passa, casca de laranja assada, cravo, damasco seco, canela em pau. A nutricionista recomenda que o fumante coloque uma dessas coisas na boca quando a vontade de fumar reaparece. Deve mascá-la bem devagarzinho na tentativa de se distrair e esquecer do cigarro.

Ana seguiu a dica. Ainda não foi suficiente. Na tentativa de enganar a vontade de fumar, adotou um estranho recurso. “Quebrei um lápis ao meio e finjo que estou fumando”, diz.

Para quem não fuma, esse comportamento pode parecer irracional, humilhante. Para quem enfrenta o vício, no entanto, qualquer recurso capaz de postegar a próxima tragada vale a pena.

Muitos leitores comentaram o texto da semana passada. Postaram depoimentos pessoais e dicas para quem pretende se livrar do cigarro. Agradeço a todos pela atenção e pelas valiosas contribuições. Alguns desses comentários revelam a profunda relação emocional que os fumantes criam com o vício:

“Parece que o cigarro é meu amigo, me conforta. Sei que é ridículo, mas é assim que sinto.”
Luzia do Rego Leite
“O cigarro sempre foi meu companheiro de baladas, farras e de momentos ruins também.”
Adriane Carrara
“Gostava da sensação que o cigarro me trazia. Um certo conforto nas horas de solidão ou tristeza. Era uma companhia que me satisfazia.”
Valéria Freitas

Depoimentos como esses também chamaram a atenção da psicóloga Ivone Maria Charran, quando ela começou a atender tabagistas no Cratod. Ivone já tinha uma longa experiência com usuários de outras drogas, como cocaína e crack (trabalha com essas pessoas há 19 anos). Nunca, porém, tinha ouvido relatos sentimentais em relação à droga do jeito como ela ouviu dos fumantes.

“A forma como eles se referem ao cigarro sempre me intrigou”, diz Ivone. “Eles estabelecem uma cumplicidade tão grande que chegam a colocar atributos humanos no cigarro”, afirma.

Ivone produziu uma monografia com base numa pesquisa qualitativa realizada com cinco fumantes do Cratod. Algumas das frases que ela ouviu:

“O cigarro é um amigo, um namorado. É até um marido.”

“O cigarro me completa. Ameniza a solidão.”

“Largar o cigarro é como perder o pai.”

O que você acha dessa última frase? É um exagero? Uma afirmação completamente descabida? Uma comparação impossível? Para muitos dos dependentes de nicotina que tentam se livrar do vício, ela é verdadeira. Sem o cigarro, eles experimentam um luto profundo.

Não basta, portanto, tratar a dependência física provocada pela nicotina. É preciso, também, romper a dependência psicológica. “Quebrar essa relação de cumplicidade com o cigarro é o mais difícil”, diz Ivone.

Conheci no início desse ano uma mulher que passou a vida inteira livre do fumo. Depois dos 70 anos, estabeleceu uma triste parceria com o cigarro. Lembrei-me dela enquanto conversava com Ivone.

Quem procura um programa antitabagismo, acha que vai apenas parar de fumar. A mudança precisa ser mais radical. “A pessoa precisa rever a vida, se conhecer sem cigarro”, diz Ivone. “Muitas vezes, ela se estranha”.

Conheço pessoas que conseguiram parar de fumar por conta própria. Tomaram a decisão estimuladas pelos filhos pequenos, por um problema de saúde, por extrema força de vontade. Na maioria dos casos, porém, é muito difícil vencer a dependência psicológica sem contar com apoio profissional. Se concluir que precisa de ajuda, não tenha vergonha de procurá-la. O vício não é sinal de fraqueza. É o resultado da histórica tolerância social em relação a uma droga poderosa. Confira abaixo os estragos que o cigarro provoca no nosso corpo. Vale a pena relembrar e espalhar.

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